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Carta inspirada na repercussão do seminário "Educando com o Cú" (5/5/2023),

 

Salvador-Ba (10/05/2022)

Carta a Vossa Excelência Senadora D. e demais seguidores.

Paulo Wenderson Teixeira Moraes

Professor Titular de Psicologia - UNEB

pwmoraes@uneb.br

Prezada Vossa Excelência Senadora D. e seus prezados seguidores,

Vamos fazer uma pergunta retórica para a qual se conhece bem a resposta: por que quando vocês olham para a Universidade, só conseguem enxergar o “cú” dela? Vocês bem sabem que existe muitos outros órgãos no ensino superior que representam verdadeiros cérebros e corações da Universidade Pública Brasileira. Centenas de milhares de artigos são publicados anualmente, pesquisas são realizadas, alunos são formados, a comunidade é atendida com amplas atividades de extensão, seminários e congressos são realizados, mas nada disso lhes interessa, apenas aquele ponto de nada que em verdade é um vazio no final do sistema digestivo.

Resisti um tanto para escrever essa carta, pois estimo que o assunto é irrelevante, mas por uma questão de humanidade, devo alertá-la que toda essa obsessão pode estar revelando uma personalidade anal muito bem caracterizada pela Psicanálise. Para lhe lembrar, tem uma fase na infância na qual a criança está treinando o controle dos esfíncteres e acaba descobrindo que pode escolher a hora em que vai liberar ou reter suas excreções, assim como percebe que tal escolha pode controlar o ambiente ao redor, deixando de prontidão aqueles que trocam suas fraldas. Sim, voltamos às aulas básicas da psicologia para aventar a hipótese de que repressões exageradas nessa fase relacionam-se com uma personalidade extremamente autoritária que sente um tesão enorme em controlar a vida dos outros, numa espécie de transbordamento da própria pressão que exerce sobre si mesma desde a tenra idade. Vamos ao terapeuta examinar esses traumas? Não que você vá estilhaçar a estrutura de sua personalidade fundada no controle do ânus, isso talvez não seja possível. Não se deixa de ser neurótico, por exemplo, apenas tomando consciência dos padrões de repetição do gozo doentio que inclui a submissão do outro. Mas é possível repetir tais padrões com mais elegância e menos infantilidade, se apropriando do seu desejo de forma mais consciente e ética. No mínimo, a pessoa analisada deixa de ser ridicularizada ao revelar seus desejos mais íntimos em cadeia nacional.  

 

Na condição de Psicólogo e de cidadão brasileiro, recomendo algum processo de autoconhecimento que não seja apenas a autoafirmação de dogmas repetidos sem análise crítica, oriundos de palavras retiradas mecanicamente de algum livro sagrado e usadas de maneira pecaminosa. Já na condição de professor universitário que reconhece os esforços científicos da redução de danos, aquele movimento que busca reduzir os danos causados pelo uso abusivo de qualquer coisa, até mesmo da Palavra, recomendo o cuidado com a palavra, pois ela atrai sentimentos e vontades. Vai que de tanto pensar na cloaca do ensino superior, vossa excelência e demais seguidores se sintam sugeridos a experimentar, sem manuais de instrução, a zona erógena tão bem administrada pelas profissionais do sexo. Se algum dia seu superego permitir, se lembre de usar camisinha para evitar infecções indevidas e usar um pouco de lubrificante, pois as mucosas do corpo são sensíveis. É de bom tom, com o parceiro que se aventure a adentrar em suas entranhas, fazer uma limpeza prévia com aquele chuveirinho do banheiro, aquele mesmo que produz aquelas cosquinhas reconfortantes. Busque algum especialista no assunto ou expert na arte do prazer para fazer um monte de gente feliz.

 

Certamente será difícil soltar o poder que foi construído em torno dessa personalidade autoritária. Mas há sinais alvissareiros para aqueles que se arriscam numa liberação espontânea das amarras do corpo e da mente: há gozo sem precisar submeter ninguém! Há o amor e o carinho. Há o cuidado e o seu ninho. O povo clama por mais empatia e leveza nos assuntos da república. Então, Vossa Excelência, considere a possibilidade de dar mais. Dá mais! De mares profundos o regozijo atende a necessidades inconscientes, evitando o mal da expressão estereotipada e extraviada do desejo perverso.

 

Será que estou pedindo muito ou apenas o básico? Se para V. Ex.ª não há espaço para o “conheci-te a ti mesmo” ou o “sei que nada sei”, publico essa carta na esperança de que as pessoas encontrem na dúvida metódica um mecanismo para não reproduzir essa tendência de dedicação obstinada em reprimir o popular “cú” ou seus derivados semelhantes à "pedagogia do cú ", como seus seguidores logo detectam com euforia nas páginas de "CÚriosidades" dos sites e jornais e replicam, com água e ódio na boca, as blasfêmias alheias. Sabemos o quanto é apreciado falar mal desse ponto por aqueles que não o utilizam para fins recreativos. Mas nos interstícios das fantasias, ninguém consegue se furtar ao deleite no parquinho. Melhor que reprimir a perversão é encontrar meios criativos de sublimar os instintos mais obscenos. Senão, o caminho que resta é o mal-estar na civilização e a barbárie. Ainda dá tempo de corrigir o rumo. Dá, dá mais, dá mares: solta essas couraças que impedem o vosso excelentíssimo orgasmo. Assim verás outra universidade, com toda a sua potência dos órgãos mais nobres, do cérebro e do coração, sem descartar a funcionalidade de todo o aparelho digestivo do ensino superior. Então perceberá que quando utilizado adequadamente e com cuidado por alguns, lá eles, o ponto final do reto apenas produz brincadeiras inofensivas, lúdicas e esporádicas que não destruirão nenhuma sociedade. Muito pelo contrário, forças tenebrosas oriundas de um tipo de puritanismo provinciano é o que realmente acaba promovendo a destruição em massa. Quando não há fantasias reprimidas, não há motivo para se perder tempo maquinando a invasão e destruição do patrimônio público e não é necessário romper com o Estado Democrático de Direito. A destruição do outro é agenciada por uma personalidade perversa e manipuladora que possui traumas e fantasias reprimidas no seu inconsciente, mas que se veste de "santinha" e aparentemente só quer "o bem" do outro. Sabemos muito bem que tais personalidades querem o domínio sobre o outro e escravizá-lo. Entretanto, temos o antídoto dentro da universidade, pois ela se estabelece como um espaço público de debate e de liberdade: ele se chama "livre pensar". Com esse antídoto em mente, nunca se esqueça: do mar da universidade não verás ataque às instituições democráticas. A balbúrdia da universidade jamais será a barbárie da destruição em massa.

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